Brechós do Recife: Renovando o guarda-roupa sem gastar horrores
- Por Crystal Ribeiro
- 26 de nov. de 2016
- 10 min de leitura

Bazar Paralelos (Foto: Crystal Ribeiro)
Às vezes não é fácil ver os amigos mostrando roupas novas e exibindo looks recém-saídos da loja sem pensar “poxa, por que eu não posso comprar roupas novas também?”. Quando o dinheiro está curto e prioridades como almoço e transporte nunca pareceram consumir tanto o orçamento é que se percebe o quanto cada centavo é precioso. Mas ao mesmo tempo em que vem aquela vontade enorme de sair às compras igual à Julia Roberts em Uma Linda Mulher (1990), é só entrar numa loja de departamento e ver uma blusa básica custando os olhos da cara que toda a felicidade vai pelo ralo.
Hoje em dia não dá para gastar dinheiro à toa, mas a possibilidade de não comprar também não costuma ser muito amigável. É por isso que atualmente cada vez mais se busca soluções para incrementar e renovar o look nosso de cada dia. E os brechós podem ser preciosos aliados nessas situações. Presentes no Brasil desde o século XIX (os primeiros registros datam do conto “Ideias de Canário” de Machado de Assis, de 1899), os brechós físicos não chegam a dividir público com lojas de shopping, por exemplo, mas costumam ter um nicho de frequentadores assíduos e vem aos poucos entrando no hábito dos brasileiros, sobretudo pelos preços mais baixos. No Recife, a tradição começou na década de 1980 com o Bazar Paralelos, no centro da cidade. Mas porque tantas pessoas ainda tem preconceito com brechós?

Bazar Paralelos (Foto: Crystal Ribeiro)
O fato da maioria das roupas já ter sido usada antes é um dos fatores que mais causa esse bloqueio. “Ainda são atribuídas aos brechós características como baixa qualidade, que são produtos ‘lixo’, danificados. Dessa forma, percebe-se que é ainda é um tipo de negócio direcionado para um público muito específico. Como o preconceito pode ser associado à formação cultural dessas pessoas, é difícil vencer essa barreira”, explica Karine Fernandes, professora de Moda do Senac-PE. “O brasileiro em si não tem o hábito de frequentar brechó. Em países da Europa como Inglaterra, França e Itália, até EUA mesmo, é muito mais comum. Eles têm uma mente mais aberta para roupas usadas e o hábito vai passando de pai para filho”, afirma Elizabeth de Oliveira, proprietária do Cabine Brechó, na Zona Norte do Recife.
Sim, a maioria das roupas é antiga, mas seu estilo é que vai dizer o que levar para casa; e não, as peças não são feias nem sujas e nem cheias de doença, como muitas pessoas acreditam. As roupas dos brechós chegam lá através de fornecedores, muitas vezes de outros estados, que compram peças de lojas que estão fechando para vendê-las aos brechós cadastrados. Também é possível pôr à venda peças em consignação, ou seja, alguém leva uma peça até o brechó e deixa lá para que seja vendida. Quando isso acontece, o lucro é dividido entre a pessoa que a forneceu e o proprietário do brechó. A proporção em que esses dois tipos de fornecimento acontecem varia de brechó para brechó, mas seja lá qual for ele, para serem vendidas as peças precisam estar em ótimo estado de conservação e muito limpas.

Brechó Dona Quitinha (Foto: Crystal Ribeiro)
Outra dificuldade apontada por quem não frequenta brechós é não saber onde ficam. O sistema de divulgação desses negócios é diferente das lojas tradicionais, eles não estão em centros de comércio como shoppings. O mais comum é saber pelo bom e velho boca a boca, mas a internet também é um meio de encontrar brechós perto de você. Mas não confie sempre no Google Maps, muitas vezes os brechós apontados não estão mais abertos. Brechós mais sofisticados (sim, eles existem) costumam ter páginas em redes sociais, mas os populares, que são os mais baratos, são como tesouros de pirata que você mesmo tem que descobrir.
Mesmo que esse preconceito ainda exista, ao longo das décadas o ato de comprar em brechós vem deixando de ser um tabu para se tornar uma afirmação de estilo. “A tendência do comportamento vintage, que vem muito em função do caos vivido pela sociedade, estimula a busca por produtos que representem esse resgate. Outro aspecto que estimula essa busca é a possibilidade de encontrar peças exclusivas que, quando misturadas a outras peças do guarda-roupa, transmitem personalidade e estilo”, afirma Karine. Denizete de Souza tem 55 anos e desde os seus vinte e poucos tem o hábito de frequentar brechós. “Quando eu entro (num brechó) eu sei que aquelas roupas já foram compradas por outras pessoas, já foram amadas por outras pessoas, só isso já dá uma energia completamente diferente no lugar. Sem falar que tudo é muito eclético e tem um preço muito bom. Então se você encontra uma peça de bom caimento é maravilhoso”.
Para a enfermeira Eneida Foerster, 64 anos, também frequentadora assídua desde que sua filha a levou pela primeira vez, a questão principal não é nem o preço, mas a possibilidade de fugir das tendências das lojas tradicionais. “O preço é muito bom, mas melhor ainda é você entrar num brechó e encontrar peças diferentes, únicas, de uma outra época, não é só modismo que vende lá. E a moda é cíclica, então a roupa nunca fica desatualizada. Você também encontra tecidos que não são muito comuns em lojas, como o linho. No brechó você acha peças lindas de linho sem gastar uma fortuna”.
A mídia tem sido peça chave nessa popularização e no status “cool” que está sendo atribuído aos brechós. “Hoje em dia é muito comum ver famosas e blogueiras comprando e até virando donas de brechós. No fim, quem está na mídia é quem dita as tendências”, afirma Micaelle Martins, proprietária do Brechó da Mika em Boa Viagem, zona sul do Recife. Se antes eram sinônimo de roupas para quem não podia gastar com peças boas, hoje em dia os brechós recebem um público das mais diversas idades e classes sociais. “Aqui eu recebo pessoas de 8 a 80 anos, de classe A a Z. Não existe mais essa distinção de quem compra e quem não compra em brechó”, diz Wanbesy Brito, proprietária do Dona Quitinha, na zona sul do Recife.

Cabine Brechó (Foto: Crystal Ribeiro)
São muitas as vantagens do hábito de frequentar brechós. Seus motivos podem ser os preços baixos, as roupas de qualidade ou as peças diferentes, mas não importa, vale tudo para não chorar pelos estragos feitos no cartão no fim do mês. E se você está desesperado para saber onde fica o brechó mais próximo para ir às compras, não tema, aqui vão algumas opções de diferentes tipos de brechós recifenses para se esbaldar. Com consciência, é claro.

Foto: Crystal Ribeiro
CENTRO DO RECIFE
Foi no centro da cidade que começou a tradição dos brechós em Recife. O Bazar Paralelos, na Boa Vista, foi inaugurado em 1985 por Claudineide Cavalcante depois de uma viagem à Brasília. “Eu viajei com meu marido a trabalho e eu não levei roupas para representar junto com ele, em reuniões. Me informei com algumas pessoas do prédio onde nós estávamos onde eu poderia encontrar uma loja de aluguel. Elas disseram que conheciam um brechó e que poderiam me levar lá. Só tinha roupa de artista (no brechó). Depois disso eu falei que ia voltar para o Nordeste e abrir um brechó”, conta.

Bazar Paralelos (Foto: Crystal Ribeiro)
Desde então, o Paralelos é conhecido como o maior e mais tradicional brechó da cidade. É possível encontrar peças de todos os tipos, femininas, masculinas e infantis, além de calçados, acessórios, roupas de festa e até de marcas como Lacoste e Puma. A organização pode parecer confusa à primeira vista, mas é só analisar as araras com mais atenção e encontrar roupas superatuais e outras que parecem ter vindo do guarda-roupa da vovó. Se o caso for figurino para uma peça de teatro, lá também tem. “O pessoal procura muito por roupas para peças de época. Saem com várias sacolas, pegando uma peça aqui e outra ali eles montam o figurino de todo mundo”.
Não se engane pela casa de aparência antiga da Rua da Soledade, bem no meio da Avenida Conde da Boa Vista. É ali que Suely Ramos montou o seu Brechó Soledade, há pouco mais de dez anos. Quem deu a ideia foi sua sobrinha, que já era frequentadora. Assim como o Paralelos, o Soledade é um brechó popular, ou seja, os preços são bastante em conta. “Aqui você encontra peças entre cinco e 50 reais”. O ambiente remete a um brechó vintage sem se esforçar muito. A parede de jeans e a enorme arara central guardam muitos achados, mas é preciso de empenho na busca.

Brechó Soledade (Foto: Crystal Ribeiro)
Para Suely, o preconceito contra brechó está diminuindo, mas ela ainda acha graça da reação de muitas pessoas que passam pela sua loja. “Algumas dizem zombando ‘olha, vou te dar esse vestido de presente de aniversário’. Eu nem ligo, acho até graça. Outras dizem ‘olha, eu estou olhando, mas é para um amigo’. Até perguntam se a roupa é de gente morta”, fala rindo.
Júlia Duca é uma senhora de 62 anos moradora de uma casinha amarela perto do Cemitério de Santo Amaro. Há dez anos, junto com seu marido, estendeu um varal no quintal de casa, colocou algumas roupas suas que queria se desfazer junto com outras de familiares e vizinhos e montou seu próprio brechó, uma das rendas da família até hoje. Hoje o varal só tem lençóis mesmo, em compensação a sala se abarrota de roupas de modo que fica difícil andar por ela. “Eu sei que está um pouco desorganizado, mas estou planejando quebrar uma parede e aumentar o espaço para organizar as roupas melhor”, diz ela.

Bazar e Brechó (Foto: Crystal Ribeiro)
O Bazar e Brechó da Dona Júlia é a imagem de um brechó tradicional: um grande amontoado de roupas. Mas não se assuste com a aparência do lugar, é possível encontrar lindas peças de alfaiataria, roupas com estilo vintage e peças para compor looks muito estilos.
Bazar Paralelos (Rua da Saudade, 141, Boa Vista)
Fone: 98704-5232; Seg-Sex 9h às 18h; Sab 9h às 14h
Brechó Soledade (Rua da Soledade, 389, Boa Vista)
Bazar e Brechó (Rua Francisco Jacinto, 29, Santo Amaro)
ZONA SUL

Brechó Dona Quitinha (Foto: Crystal Ribeiro)
Se no Centro encontramos brechós mais populares, na Zona Sul a elegância e personalidade das lojas surpreende. O Brechó Dona Quitinha está incorporado à casa de sua proprietária, a psicóloga e agora empresária Wambesy Brito. Depois de morar na Europa e ver como o negócio era rentável, ela resolveu voltar ao Brasil para ter o seu próprio brechó. “Os dois primeiros anos da loja foram para mostrar para as pessoas o que era um brechó. Rio, São Paulo e Belo Horizonte já tem essa cultura do brechó muito antes da gente aqui em Recife. No começo foi meio difícil as pessoas encararem. Hoje eu já tenho uma clientela sólida, vejo que elas estão mais familiarizadas com a ideia do brechó”.
A especialidade da casa são as roupas de marcas e grifes famosas com preços até 70% menores que os originais. É possível encontrar desde Shoulder e Zara até Maria Bonita e Carmem Steffens. As araras e prateleiras são todas muito organizadas, sem falar que o ambiente pela manhã é agradável como estar em casa. O diferencial do Dona Quitinha está na oficina de costura. É possível deixar peças para conserto, fazer ajustes em roupas compradas no brechó, confecção de peças sob medida e alguns outros trabalhos. “Tem a ver com essa questão da sustentabilidade de você dar uma cara nova, reformar alguma coisa que você tem ao invés de comprar alguma coisa que você não precisa”.

Brechó da Mika (Foto: Crystal Ribeiro)
Saindo de Setúbal e indo para a Avenida Conselheiro Aguiar, logo ali do lado do Bom Preço de Boa Viagem você encontra o Brechó da Mika, o mais moderninho da região. Ainda com dois anos de existência, o brechó é um exemplo de como trazer para um negócio tradicional um ar jovem e divertido e assim, atrair a clientela. Micaelle Martins, a feliz proprietária, foi quem decorou todo o ambiente com listras, poás e acessórios que poderiam ser vistos em qualquer loja de shopping. Seu desejo de abrir o negócio veio de reflexões a respeito do seu próprio guarda-roupa. “Eu sempre fui muito consumista, gosto muito de moda, marcas, cortes, o que fica bem em cada corpo. Então minha irmã abriu um brechó e eu sempre garimpava peças legais. Foi assim que eu descobri que existe vida pós-shopping, o seu dinheiro vale muito mais quando você garimpa alguma coisa bacana”.
Ao contrário dos estilo “guarda-roupa de vovó” que se encontra em muitos brechós, o conceito aqui é diferente. “O Brechó da Mika é um brechó de tendência, eu vendo peças da moda com preço mais em conta. Não costumo pegar nada muito retrô. Por mais que seja um brechó as pessoas procuram por peças atuais. Eu atendo esse tipo de público que quer andar na moda, mas por um preço mais em conta”. Aqui se encontra jeans, blusas, vestidos de festa, sapatos, bolsas e até roupas masculinas, que têm um cantinho especial só para elas.
Dona Quitinha (Rua Antônio Vicente, 544, Boa Viagem)
Fone: 3328-3149; 98600-7590; Ter-Sex 9h às 18h; Sáb 9h às 13h
Brechó da Mika (Avenida Conselheiro Aguiar, 4880, Galeria Praia Sul Shopping, Loja 24, Boa Viagem)
Fone: 98601-1221; 99714-4560; Seg-Sex 9h às 18h; Sáb 10h às 17h
RêVê Brechó (Avenida Conselheiro Aguiar, 3500, Boa Viagem)
Fone: 3088-4376; Seg-Sex 13h às 18h
ZONA NORTE

Cabine Brechó (Foto: Crystal Ribeiro)
Finalizando o passeio pela Zona Norte, é aqui onde fica localizado o mais famoso brechó de Recife. O Cabine Brechó, antigo Camarim Brechó, está sempre aparecendo em jornais e sites como referência de um negócio alternativo, mas com a força e personalidade de uma loja tradicional. É só passar pela porta que tudo começa a fazer sentido. Repleto de todos os tipos e estilos de roupa, o Cabine foi aberto em 2004 por Elizabeth de Oliveira, já frequentadora de brechós na época. “Eu queria a minha independência financeira e o investimento era muito pequeno: como as peças eram minhas, era só alugar o espaço mesmo”.
A organização é um ponto chave do brechó, principalmente por conta do zelo da proprietária. Para Elizabeth, pela cultura do estado, essa organização é quase uma exigência. “Eu acho que para o Nordeste é fundamental essa organização do brechó, porque nós não temos cultura de brechó, as pessoas têm preguiça de garimpar. Então quando elas veem tudo desorganizado, tudo misturado, elas desistem. Até aqui (no Cabine), que tem tudo separado e no lugar, o pessoal tem preguiça. A organização em si já atrai o cliente”. Procurando uma roupa para sair à noite? Aqui você encontra. Roupa para ser madrinha de casamento da amiga? Você encontra também. Vai viajar para o exterior onde está fazendo o maior frio? Aqui você acha uma seleção de lãs, trench coats, gorros e cachecóis para a viagem.

Cabine Brechó (Foto: Crystal Ribeiro)
Atualmente, a maior parte das roupas que Elizabeth compra vem de brechós, sua paixão declarada. Para ela, frequentar brechós é um estilo de vida, é preciso tempo para adquirir o hábito e mente aberta para aceitar o novo. “Se a pessoa tem a cabeça muito fechada, vem para a loja com o estigma de que tudo é velho e feio, pode ter certeza que ela vai embora sem nada. O frequentador de brechó é muito seguro de que não precisa vestir a última moda para se sentir bem. Ele tem estilo, sabe o que quer, ele não vem com fome, nem com pressa, ele curte aquele momento de garimpar. Esse sim vai para casa satisfeito”.
Cabine Brechó (Rua Senador Alberto Paiva, 248, Graças)
Fone: 3241-0248; Seg-Sex 9h às 18h; Sáb 10h às 13h
Brechó Chic (Avenida Conselheiro Rosa e Silva, 1398, Aflitos)
Fone: 8580-9418; Seg-Sex 13h às 18h
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